dançar a palavra-poema
estante v a z i a
re-movidos os cupins
restam furos
[nos livros
dentes nas folhas
pontuam palavras
[mortas
e… en-tre-cor-ta-das
outros escrit os
em vão
rezam letras vazadas
sem verso
sem papel
"a não se ler"
ranhuras lidas revoltam as víceras
e um filete de
[vento
verte-se em sussurro
os olhos ouvem
os tantos troços grafados
[no corpo
um oco se dobra
a garganta ruína rumina
o tempo as linhas as cartas
álamos de volta ao começo
Machadianas trovas
passam quais sopros:
"ao verme que primeiro"
ao verme
ao ver-me
[ao ver-me
as frias
as carnes
espelho por dentro
em torno do umbigo
entorno o grito:
elástico cu-pim…
dentro dos olhos do peixe,
seus dedos das mãos
(ensinou Kazuo)
o que dali eles podem enxergar?
um sopro a fervilhar no escuro,
a bolha de sabão que deixa soar
o arco-íris
e os pés a rodar no raso do rio
escutam as escamas a roçar no pente?
os cabelos viraram serpentes?
pedra? gás?
a expiração a tocar
[um tronco de árvore
e o toar do tambor na ilha deserta
ainda é possível trocar de roupa?
tirar a roupa?
o passo do boi emudece
e testemunha
o soar
da queda
da gota
de orvalho
no chão
de terra
algum vergão exposto na pele
ravina o tempo
outrora as unhas foram garras?
deixem entrar o peixe.
ele pode falar?
suas espinhas-costelas
ondulam
estão a escrevinhar
no ar
Butoh
era um corpoflor
ou era uma flor
era um corpo
em passo
lento
o vermelho dos lábios
um chapéu de renda
olhar que porta o tempo
o fim e o começo
o laço a trança a dança
o vento
era um rodopio por dentro
ventre envolto por negro
lenço
pérolas no pescoço
aquele velho moço
era um menino-menina
ou era um nem menino-menina
hino ao verso, ao poema-carne
aos pés-raízes, no solo quente
era quem traz pra casa, ano a ano
as sementes,
as mãos no rosto,
as sombras, os ombros
assombros de um grito mudo
desnuda a pélvis, vívido pulso
o gesto delicado do pêndulo
avulso
em uso, em cores, as dores
era esplêndida a pele, transmutada
em botão
(para Kazuo Ohno)
amar-elu bem poderia ser
bandeira feminista.
.. arrastando-se pela areia
à beira,
Cauda longa,
litorânea,
que cambeia
Serpenteia a fruta viva
e vermelha
Mordisca a borda
O beiço se agita
e grita:
um terço de orla, à vista!
Dentes e línguas, por dentro,
um abismar em plumas
O cantarolar das ondas e espumas
borbulhantes
Por lá, o impacto dos cheiros
o olor dos sexos-não-barbíferos
trepida as eras
Qual feras em cores, quaisquer corpas,
não brutas
calculam e revolucionam
Do ouro-colonizador, outro-elo
rebuliço com viço de outrem
desvelo que marca as arcas por vir
Doutas ancas convincentes,
de súbito, flexíveis,
fozes, nascentes
veem e provam a divinatriz por trás das nuvens
Fímbria sem listras, os pés no mar
(r)existem
ao empuxo dos afogados
à sangrenta história
às inquisições
Iemanjá refaz-se a cada bainha
Ora e zela, em objeção
que repete e repele e difere
Sejam folhas, safos ou fadas
um poema rendido, faz, enfim,
uma prece:
e das fronteiras eloquentes
surjam melhores
lançamento do livro de poesias Tecido: